A ciência a serviço da defesa: o papel da interdisciplinaridade na construção de estratégias criminais consistentes

Por Jefferson Freire

O processo penal brasileiro, em sua conformação constitucional e democrática, não pode mais ser compreendido como um espaço restrito às profissões jurídicas.

A complexidade dos meios de investigação contemporâneos exige um novo paradigma de atuação: a integração efetiva entre o Direito e outras áreas do conhecimento científico.

A persecução penal moderna, diga-se, da investigação à instrução processual, demanda a atuação coordenada de especialistas de diferentes campos, capazes de oferecer à defesa um panorama técnico e objetivo dos fatos.

Nesse cenário, a prova técnica deixa de ser um instrumento acessório e assume protagonismo. Ela representa a materialização do saber científico aplicado à busca da verdade real.

A relevância da prova técnica no direito criminal contemporâneo se intensifica à medida que novas modalidades de crime e de ferramentas de apuração surgem, muitas delas ligadas ao universo digital e financeiro.

A Perícia Computacional Forense, por exemplo, tornou-se indispensável na investigação de delitos que deixam vestígios em meios eletrônicos, como interceptações telefônicas e de dados telemáticos e captações de sinais acústicos ambientais.

Já a Perícia Contábil, frequentemente utilizada em casos de lavagem de dinheiro, corrupção ou ocultação de bens, permite a reconstituição detalhada de movimentações financeiras e fluxos patrimoniais, distinguindo operações legítimas de transações fraudulentas.

Essa confluência de especialidades, da tecnologia à contabilidade, transforma o sistema probatório em um ecossistema multidisciplinar.

Quando articulada de forma estratégica com a defesa advocatícia, a perícia técnica não apenas amplia as possibilidades de resultado favorável, mas também concretiza o ideal de justiça material.

A atuação integrada entre o advogado criminalista e os especialistas técnicos permite uma compreensão mais profunda do caso, o que se reflete na produção de provas sólidas, na contestação de falhas processuais e na identificação de erros periciais que poderiam conduzir a injustiças.

Nesse contexto, o papel do assistente técnico da defesa assume importância decisiva. É ele quem examina criticamente os laudos oficiais, identifica falhas metodológicas, questiona hipóteses frágeis e apresenta contraprovas fundamentadas em princípios científicos.

A produção de pareceres independentes, a formulação de quesitos precisos e a contestação de conclusões tendenciosas são estratégias que reforçam a paridade de armas no processo penal e concretizam o direito à ampla defesa e ao contraditório efetivo.

Muitas vezes, um simples parecer técnico, devidamente embasado, é suficiente para revelar inconsistências determinantes, corrigir distorções interpretativas e evitar condenações injustas.

A realidade atual impõe, assim, ao sistema de justiça criminal, o desafio de integrar ciência e direito em um mesmo propósito: o da verdade e da justiça.

A tecnologia da informação, a contabilidade e outras áreas correlatas formam um conjunto de saberes que, quando articulados com a defesa, elevam o padrão de racionalidade e legitimidade das estratégias processuais.

Trata-se de uma nova cultura jurídica, na qual o advogado deixa de atuar isoladamente e passa a exercer uma função coordenadora dentro de uma equipe interdisciplinar de defesa.

O fortalecimento desse modelo exige investimento em capacitação técnica e científica, tanto de advogados quanto de peritos. É preciso que o profissional do Direito compreenda os fundamentos das ciências forenses, domine o vocabulário técnico e saiba traduzir o conhecimento científico em argumentação jurídica.

Da mesma forma, o perito deve conhecer os princípios processuais que regem o contraditório e a produção da prova, assegurando que seu trabalho se integre harmonicamente ao sistema de garantias penais.

O futuro da advocacia criminal, portanto, passa pela interdisciplinaridade. Em um mundo onde os vestígios de um crime podem estar armazenados em um servidor remoto, em uma planilha contábil ou no traço microscópico de uma substância química, o advogado que não dialoga com a ciência atua com uma visão incompleta da realidade.

A defesa técnica contemporânea é aquela que une o raciocínio jurídico à precisão científica, porque justiça, em um Estado Democrático de Direito, só se realiza quando o direito e a ciência caminham juntos.