O novo marco da tecnologia, da inteligência artificial e da investigação criminal no Brasil

Por Jefferson Freire

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou, em 24 de junho de 2025, a Portaria nº 961/2025, que estabelece diretrizes para o uso de soluções de tecnologia da informação, incluindo sistemas baseados em inteligência artificial, nas atividades de investigação criminal e de inteligência de segurança pública.

A norma, divulgada no Diário Oficial da União, representa um marco regulatório inédito no país e procura preencher um vazio normativo que há anos gerava insegurança jurídica. Até então, o uso de tecnologias avançadas em investigações ocorria de forma dispersa, sem parâmetros uniformes de governança, o que abria espaço para interpretações divergentes, riscos de violação de direitos fundamentais e falta de controle sobre a atuação das forças de segurança.

O alcance da Portaria abrange os órgãos federais de segurança vinculados ao MJSP, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Penal Federal, a Força Nacional de Segurança Pública e as secretarias nacionais de Segurança Pública e de Políticas Penais; estendendo-se ainda a órgãos estaduais, distritais e municipais que recebam recursos dos fundos nacionais de segurança e de políticas penitenciárias.

Dessa forma, cria-se um padrão mínimo de conduta tecnológica que alcança todo o sistema brasileiro de persecução penal e segurança pública.

Entre os princípios norteadores estabelecidos pela norma, destacam-se o respeito aos direitos e garantias fundamentais, a proteção de dados pessoais, a inviolabilidade da intimidade e do sigilo das comunicações, a necessidade de proporcionalidade e adequação nas medidas investigativas e a integridade dos sistemas informacionais utilizados.

O objetivo declarado do MJSP é equilibrar a eficiência investigativa com a preservação das garantias constitucionais, estabelecendo uma base normativa que permita o uso legítimo e responsável das novas tecnologias em investigações criminais e em operações de inteligência.

A Portaria inova ao disciplinar, pela primeira vez de maneira expressa, o uso da inteligência artificial na segurança pública. As diretrizes determinam que toda aplicação de IA observe critérios de legalidade, necessidade e proporcionalidade, além de vedarem o reconhecimento facial à distância e em tempo real em espaços públicos, salvo quando houver decisão judicial fundamentada. Essa limitação busca conter abusos e proteger a privacidade dos cidadãos.

Além disso, o texto exige o registro detalhado de logs de acesso, identificação de usuários e data e hora das operações realizadas, o que reforça a rastreabilidade e a responsabilidade sobre o uso de sistemas tecnológicos.

No campo das tecnologias aplicadas ao sistema prisional e às investigações, a norma autoriza o uso de soluções de informação para bloquear sinais de dispositivos móveis em presídios, acessar dados de equipamentos apreendidos mediante autorização judicial e empregar sistemas de análise tecnológica nas atividades de inteligência. Também institui mecanismos de governança, impondo controles de acesso com autenticação forte, auditorias periódicas e transparência nos processos de contratação e licitação de tecnologias de segurança.

Todas as operações deverão ser registradas e passíveis de auditoria, reforçando a prestação de contas e a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Para o campo da perícia digital forense, a Portaria 961/2025 traz implicações significativas. Ao definir diretrizes claras sobre o uso de tecnologia e inteligência artificial, ela oferece maior segurança jurídica para a avaliação da legalidade e validade de provas digitais.

Os peritos e advogados passam a contar com parâmetros objetivos para questionar ou sustentar a licitude de dados obtidos por meios tecnológicos.

O registro de logs e o controle de acessos estabelecem, ainda, uma nova dimensão de rastreabilidade probatória, na qual não apenas o conteúdo, mas também o histórico de manipulação das evidências digitais poderá ser periciado e avaliado judicialmente.

A Portaria também cria barreiras normativas ao uso indiscriminado de sistemas invasivos, como o reconhecimento facial em massa, limitando sua aplicação e exigindo autorização judicial prévia.

Essas restrições deverão gerar novos debates no campo do direito probatório e constitucional, especialmente sobre a admissibilidade e a confiabilidade das provas obtidas com base em algoritmos.

No âmbito prisional, a regulamentação do uso de tecnologia para monitoramento e coleta de dados exige atenção redobrada quanto à cadeia de custódia digital e ao tratamento de informações pessoais de detentos, que passam a integrar sistemas automatizados de segurança.

Apesar dos avanços, a implementação da Portaria exigirá forte capacidade institucional. A aplicação efetiva das normas depende de capacitação técnica dos agentes, de estruturas de governança digital e de fiscalização contínua, sob pena de o regulamento tornar-se um instrumento formal sem impacto prático. Também será necessário assegurar interoperabilidade segura entre sistemas e evitar o acúmulo excessivo de poder informacional por parte do Estado.

Questões como transparência algorítmica, viés de inteligência artificial e responsabilidade sobre decisões automatizadas permanecerão em debate, exigindo regulamentação complementar e atuação crítica dos operadores do direito.

Em síntese, a Portaria nº 961/2025 inaugura um novo paradigma na relação entre tecnologia, segurança pública e direitos fundamentais. Ela reconhece a inevitabilidade do uso de inteligência artificial nas investigações, mas impõe freios e contrapesos institucionais para evitar abusos.

Para o meio jurídico e pericial, o desafio será acompanhar como essas diretrizes serão implementadas na prática, avaliando se a prometida modernização tecnológica da segurança pública virá acompanhada de garantias efetivas de legalidade, transparência e proteção das liberdades individuais.

O texto marca um avanço normativo relevante, mas seu verdadeiro alcance dependerá da forma como as autoridades e o Judiciário aplicarão, interpretarão e fiscalizarão os princípios que ela estabelece.

PORTARIA MJSP Nº 961, DE 24 DE JUNHO DE 2025.