O Supremo Tribunal Federal formou maioria, em sessão plenária, para afirmar que a vedação ao nepotismo prevista na Súmula Vinculante 13 não se aplica às nomeações para cargos de natureza política, como secretarias municipais.
O tema, classificado como Repercussão Geral (Tema 1.000), reacende um debate histórico sobre os limites constitucionais da impessoalidade e da discricionariedade do chefe do Executivo na escolha de seus auxiliares diretos.
Até o momento, seis ministros acompanharam o voto do relator, ministro Luiz Fux, reconhecendo a constitucionalidade da nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau para cargos de natureza política, desde que haja comprovação de qualificação técnica, idoneidade moral e ausência de nepotismo cruzado.
A única divergência veio do ministro Flávio Dino, que defende a aplicação integral da súmula, sem qualquer exceção. O julgamento foi suspenso em razão da ausência justificada da ministra Cármen Lúcia e será retomado nas próximas pautas da Corte.
O caso teve origem em ação ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra a Lei 4.627/2013, do município de Tupã/SP, que autorizava a nomeação de parentes do prefeito para o cargo de secretário municipal.
O Tribunal de Justiça paulista considerou a lei inconstitucional, por violar a Súmula Vinculante 13, que veda o nepotismo. O município recorreu ao STF sustentando que a decisão contrariava precedentes da Corte, que há anos reconhecem distinção entre cargos administrativos e cargos políticos, estes últimos dotados de natureza eminentemente discricionária.
No voto condutor, o ministro Luiz Fux resgatou o contexto histórico do nepotismo no Brasil, associando-o à tradição patrimonialista descrita por Sérgio Buarque de Holanda, marcada pela confusão entre as esferas pública e privada. Recordou que a Súmula Vinculante 13 foi editada para consolidar a defesa da moralidade e impessoalidade, mas ressaltou que o próprio STF, desde então, passou a diferenciar cargos administrativos e cargos políticos.
Para o relator, a Constituição permite ao chefe do Executivo nomear livremente seus auxiliares diretos, como ministros e secretários, desde que respeitados os princípios da moralidade, legalidade e finalidade pública. Segundo Fux, essa discricionariedade não é absoluta: se a nomeação envolver pessoa sem qualificação, sem idoneidade ou inserida em esquema de favorecimento recíproco, haverá desvio de finalidade e fraude à lei.
O ministro propôs, então, a seguinte tese de repercussão geral: “A vedação constante da Súmula Vinculante 13 não se aplica à nomeação de cônjuge, companheiro ou parente da autoridade nomeante para cargos de natureza política, desde que preenchidos os requisitos de qualificação técnica e idoneidade moral, vedado o nepotismo cruzado.” Seu entendimento foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
O ministro Cristiano Zanin, ao acompanhar o relator, sugeriu aperfeiçoar a tese, restringindo a exceção aos cargos de primeiro escalão do Executivo, como ministros, secretários estaduais e secretários municipais. Para Zanin, tal delimitação reforça a coerência da jurisprudência, alinhada ao art. 926 do CPC e ao precedente do RE 579.951, em que o STF consolidou a distinção entre cargos administrativos e políticos. Essa restrição, segundo ele, evitaria uma interpretação demasiadamente ampla da exceção e preservaria o núcleo moralizador da súmula.
O ministro Flávio Dino abriu divergência ao defender a aplicação total da Súmula Vinculante 13, inclusive aos cargos políticos, afirmando que a exceção jurisprudencial criada pelo STF ao longo dos anos tornou-se abusiva e incompatível com o princípio republicano.
Para Dino, a reforma da Lei de Improbidade Administrativa promovida pela Lei 14.230/2021, que tipificou o nepotismo sem prever exceções, representa fato novo suficiente para revisão da jurisprudência. Criticando o que chamou de “loteamento familiar” da administração pública, o ministro afirmou que o nepotismo fragiliza a hierarquia, compromete a objetividade das decisões e transforma o espaço público em extensão do espaço privado.
Em sua divergência, citou exemplos históricos e observou que, mesmo sem previsão legal, presidentes da República não nomeiam parentes para o ministério, o que demonstra consenso ético consolidado. Dino reforçou que governou o Maranhão por mais de sete anos “sem absolutamente nenhum parente” em cargos públicos, apesar de familiares qualificados, defendendo que “a família é sagrada no espaço privado, não no espaço público” e que “uma reunião de governo não pode ser um almoço de domingo”.
Para o ministro, o princípio da impessoalidade não admite zonas de sombra e deve abranger todas as esferas públicas, razão pela qual propôs a reafirmação integral da súmula, sem qualquer exceção para cargos políticos. Dino concluiu afirmando que, se submetido ao “tribunal do Facebook”, o tema produziria resultado quase unânime contra o nepotismo, reforçando que a prática é incompatível com o regime republicano.
O julgamento do RE 1.133.118, com repercussão geral reconhecida, definirá os contornos constitucionais da nomeação de parentes para cargos de natureza política, impactando diretamente municípios, estados e União.
A discussão envolve princípios estruturantes da administração pública, tais como, moralidade, impessoalidade, igualdade, eficiência e segurança jurídica, e consolidará diretrizes sobre até onde vai a discricionariedade do chefe do Executivo na escolha de sua equipe. O desfecho, previsto para a próxima semana, orientará toda a federação sobre os limites éticos e constitucionais da gestão pública contemporânea.