O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, que a responsabilidade civil do Estado é objetiva nos casos de danos causados pela força estatal em manifestações populares.
O julgamento, concluído em 29 de outubro, fixou tese vinculante segundo a qual não se presume culpa exclusiva da vítima apenas por ela estar presente em protestos, consolidando o entendimento de que cabe ao poder público demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade.
O caso analisado teve origem no episódio conhecido como “Operação Centro Cívico”, ocorrido em 29 de abril de 2015, em frente à Assembleia Legislativa do Paraná. Na ocasião, servidores públicos estaduais, em sua maioria professores, protestavam contra alterações no regime previdenciário da categoria.
A repressão policial resultou em 213 pessoas feridas, sendo 14 em estado grave, após o uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta, gás lacrimogêneo e balas de borracha pela Polícia Militar.
O Ministério Público do Paraná levou o caso ao STF após o Tribunal de Justiça do estado limitar a responsabilidade do ente público apenas às situações em que a vítima comprovasse ser “terceiro inocente”, isto é, alguém que não tivesse participado da manifestação.
Para o Supremo, essa interpretação contraria o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes.
O relator do caso, ministro Flávio Dino, afirmou que a força policial empregada em manifestações deve ser comedida e proporcional, reconhecendo que o uso desmedido da força pública gera o dever de reparação. Segundo ele, a vítima não tem a obrigação de provar sua inocência nem de reunir provas para demonstrar a responsabilidade estatal.
A decisão se baseou em precedente anterior do STF (Recurso Extraordinário 1.209.429), de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que fixou a responsabilidade objetiva do Estado em casos de ferimentos de profissionais da imprensa durante protestos.
Em seu voto, Dino ressaltou que o Estado pode se eximir da responsabilidade apenas se comprovar a ocorrência de causas excludentes, como força maior ou culpa exclusiva da vítima, mas destacou que tais hipóteses não podem ser aplicadas de forma presumida. “Certamente, a polícia acerta e erra.
Quando erra, cabe ao Estado responder pelos danos causados”, afirmou o ministro. O voto do relator foi acompanhado integralmente pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Edson Fachin. O ministro Alexandre de Moraes não participou do julgamento por estar em viagem oficial.
O ministro Kassio Nunes Marques apresentou voto divergente parcial, sustentando que o recurso não deveria alterar o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná e que a inversão do ônus da prova poderia enfraquecer a atuação das forças de segurança. Para ele, no caso concreto, a conduta policial estava amparada pelo contexto da manifestação e não justificaria responsabilização automática do Estado.
Ao final do julgamento, o Supremo fixou a tese de que o Estado do Paraná responde objetivamente pelos danos concretos causados por ações policiais durante a “Operação Centro Cívico”, cabendo ao ente público demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade, e que não se presume culpa exclusiva da vítima pelo simples fato de participar de uma manifestação. A decisão reafirma o entendimento de que o direito à livre manifestação é protegido pela Constituição e que o uso desproporcional da força pelo Estado gera o dever de indenizar.
Com esse julgamento, o STF reforça a necessidade de atuação estatal pautada pela proporcionalidade e pela razoabilidade, estabelecendo que a proteção dos direitos fundamentais deve prevalecer mesmo em contextos de tensão social. O precedente fortalece a responsabilidade do Estado na contenção de abusos e na reparação de danos causados em protestos, reconhecendo que a manutenção da ordem pública não pode ser exercida em detrimento da integridade física e moral dos cidadãos.
A decisão se soma à linha jurisprudencial do Tribunal que reafirma a supremacia do Estado Democrático de Direito e o dever estatal de agir com respeito à legalidade, à moralidade e à dignidade da pessoa humana.