A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, negar o pedido de suspensão da ação penal movida contra o governador do Acre, Gladson de Lima Cameli (PP).
O colegiado seguiu o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, que considerou válidos os relatórios de inteligência financeira (RIFs) elaborados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido de investigadores.
Cameli é acusado de organização criminosa, corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e fraude em licitações. Sua defesa sustentava que o processo deveria ser suspenso até o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, em repercussão geral (Tema 1.404, RE 1.537.165/SP), se é constitucional o uso de relatórios do Coaf produzidos por requisição de autoridades policiais ou do Ministério Público, e não de forma espontânea.
Entendimento consolidado
Para a ministra Nancy Andrighi, a questão já havia sido analisada quando a Corte Especial recebeu a denúncia. Na ocasião, o colegiado reconheceu que os relatórios foram elaborados dentro das atribuições legais do Coaf, a partir de comunicações de operações suspeitas.
A relatora também destacou que o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso no STF, limitou o alcance da suspensão nacional sobre o tema, excluindo os casos em que os tribunais reconheceram a validade dos relatórios. Assim, não haveria motivo para interromper o andamento da ação penal.
Em seu voto, Nancy afirmou que “tais documentos foram elaborados pelo respectivo órgão no âmbito de sua atribuição, desempenhada ex officio, conforme reconhecido pelo STF, e a partir de transações suspeitas previamente comunicadas”.
Divergência no Supremo
O caso reflete uma divergência ainda em aberto no STF. Parte dos ministros entende que o compartilhamento de dados financeiros exige autorização judicial, enquanto outra corrente, liderada por Alexandre de Moraes, defende que o envio direto de informações do Coaf a órgãos de investigação é legítimo, desde que resguardado o sigilo e o devido processo legal.
A defesa de Cameli citou, inclusive, decisão recente do ministro Gilmar Mendes, que considerou ilícito o uso de RIFs produzidos “por encomenda”. Mas o STJ avaliou que a Corte Especial já firmou posição contrária e que a matéria poderá ser reapresentada nas alegações finais, antes do julgamento de mérito.
Decisão unânime e reflexos
A decisão foi unânime entre os ministros presentes. Votaram com a relatora nomes como João Otávio de Noronha (revisor), Maria Thereza de Assis Moura, Luís Felipe Salomão, Raul Araújo, Ricardo Villas Bôas Cueva e Francisco Falcão. A sessão foi presidida pelo ministro Herman Benjamin.
O acórdão ressalta ainda decisões recentes dos ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino, que também reconheceram a legalidade do compartilhamento de informações do Coaf ou da Receita Federal com autoridades investigativas, sem a necessidade de aval judicial, desde que obedecidos os parâmetros legais.
Continuidade do processo
Com a negativa de suspensão, a ação penal contra o governador acreano segue seu curso normal na Corte Especial. O STJ reafirmou o entendimento de que o trabalho do Coaf é um instrumento legítimo de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, sem ferir garantias constitucionais.
A decisão, contudo, mantém o olhar do meio jurídico voltado ao STF, que deverá dar a palavra final sobre os limites de atuação do Coaf e o uso de relatórios de inteligência financeira produzidos por requisição de autoridades investigativas.