STJ reafirma: investigação de autoridades com foro especial exige autorização e supervisão judicial

Por Jefferson Freire

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em recente decisão, a necessidade de autorização e supervisão judicial para a instauração e tramitação de investigações envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função. O entendimento segue o precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), consolidado em 2023, e representa uma mudança relevante na jurisprudência até então dominante.

O caso analisado no Habeas Corpus nº 981.147 teve como paciente Paulo Sérgio Oliveira de Sousa, procurador-geral de Contas do Estado de Roraima, investigado pelo Ministério Público de Roraima sob suspeita de desvio de verbas públicas relacionadas à concessão indevida de diárias de viagem.

Mudança de entendimento: da dispensa à exigência de controle judicial

Até recentemente, o STJ entendia que não era necessária autorização judicial prévia nem fiscalização dos atos de investigação em casos que envolvessem autoridades com foro especial, salvo quando houvesse determinação expressa de reserva de jurisdição. Esse posicionamento era sustentado, por exemplo, no AgRg no AREsp 1.563.652/PR, relatado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz.

Contudo, a orientação jurisprudencial foi substancialmente alterada após o julgamento do Recurso Extraordinário 1.322.854/GO, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julho de 2023. Naquele precedente paradigmático, a Suprema Corte fixou o entendimento de que toda investigação envolvendo pessoa com foro por prerrogativa de função depende de autorização e de supervisão do tribunal competente, sob pena de nulidade absoluta.

O fundamento está na interpretação sistemática do artigo 29, inciso X, da Constituição Federal, que confere às cortes superiores a competência originária para processar e julgar essas autoridades, o que implica, por decorrência lógica, o dever de controlar a legalidade da persecução penal desde sua origem.

Divergência vencedora e reconhecimento de nulidade

No julgamento, o relator, desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti, havia negado o pedido de nulidade das investigações. Contudo, prevaleceu o voto divergente do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que defendeu a nulidade da investigação instaurada sem supervisão judicial.

Reynaldo observou que, embora a jurisprudência da Corte tenha tradicionalmente dispensado a autorização judicial, a mudança promovida pelo STF impõe vinculação obrigatória aos tribunais inferiores. Assim, sem o controle do Tribunal de Justiça de Roraima, que seria o órgão competente para supervisionar o procedimento, a investigação deve ser considerada inválida.

O ministro foi acompanhado pelos ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Messod Azulay, formando a maioria da 5ª Turma. Com isso, o colegiado concedeu o Habeas Corpus de ofício, reconhecendo a nulidade da investigação por ausência de supervisão judicial.

Supervisão judicial como garantia constitucional

A decisão se alinha à orientação da 3ª Seção do STJ, que já havia consolidado essa exigência no julgamento da Reclamação nº 47.278/GO, em maio de 2025. Na ocasião, o colegiado afirmou que a supervisão judicial é indispensável para garantir a legalidade, a proporcionalidade e o controle jurisdicional dos atos investigativos, especialmente quando envolvem autoridades com prerrogativa de foro.

A medida reforça o entendimento de que a autorização e o acompanhamento judicial não configuram mera formalidade, mas uma garantia constitucional contra abusos investigativos. Trata-se de preservar a separação de poderes e assegurar que o controle jurisdicional seja exercido desde a fase pré-processual, evitando investigações arbitrárias ou politicamente motivadas.

Segurança jurídica e limites ao poder investigativo

Ao reconhecer a necessidade de supervisão judicial, o STJ reforça a dimensão garantista do processo penal e a função moderadora do Poder Judiciário frente à atividade investigatória. A decisão também reafirma o papel da segurança jurídica como valor estruturante do Estado Democrático de Direito, limitando o poder punitivo estatal e preservando a estabilidade institucional.

O precedente se mostra particularmente relevante em um contexto de intensificação das investigações contra agentes públicos, reafirmando que o foro por prerrogativa de função não é privilégio pessoal, mas instrumento de proteção institucional da função pública.

Com a decisão da 5ª Turma no HC 981.147, o STJ uniformiza sua jurisprudência com a orientação do STF e fixa balizas mais rígidas para o controle das investigações contra autoridades com foro especial.

Em síntese, sem autorização e supervisão judicial, qualquer procedimento investigativo contra autoridades com prerrogativa de foro é nulo de pleno direito. O precedente consolida um novo paradigma no relacionamento entre Ministério Público, Polícia e Poder Judiciário, marcando uma etapa de maior rigor institucional e respeito ao devido processo legal.

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HC 981.147